Foto: Pooryia em amistoso pelo São Gonçalo (Reprodução: Acervo pessoal)
Ao amanhecer do dia 15 de agosto de 2021, o Talibã retomava o poder político de Cabul, capital do Afeganistão, impulsionado pela retirada das tropas norte-americanas do país. Civis e integrantes do governo precisaram fugir às pressas, temendo as ações de um grupo conhecido por aplicar com rigor sua interpretação da lei islâmica sobre a população.
Até hoje, o evento tem impacto em diversas esferas da sociedade afegã, e provocou mudanças significativas na vida de milhares de pessoas. Tivemos a oportunidade de conversar com uma delas: Pooryia Abdullahi, jogador de futebol que tinha apenas 17 anos quando o cenário sociopolítico de seu país mudou completamente.
Ele nasceu em 18 de março de 2004, em Ghor, uma província localizada no centro do Afeganistão, a cerca de 400 quilômetros da capital Cabul, e que conta com uma população de aproximadamente 485 mil habitantes. Filho de Farooq e Zarinaz, relata que vivia em uma situação economicamente confortável em sua terra natal: “Nossa vida era muito próspera; estávamos entre as famílias mais ricas do país”, afirmou.
Seu pai era empresário, com fábricas nos ramos de carpintaria e madeira, o que lhe dava a oportunidade de investir em seu maior sonho: o futebol. “É como a vida, a melhor coisa do mundo para mim”, disse Pooryia. As condições financeiras de sua família lhe proporcionaram a busca pelo esporte de maneira profissional, isso sem abrir mão de sua formação acadêmica. Além de jogar em todas as categorias de base no país, também estudou psicologia e direito na universidade.
No entanto, tudo mudou quando o grupo extremista tomou o controle de Cabul. Sua família foi forçada a abandonar tudo o que havia construído em território afegão, e Pooryia viu de longe seus parentes se mudarem para o Irã. Após permanecer em seu país devido ao contrato que ainda mantinha com um time local, tentou por alguns meses perseguir sozinho o sonho de ser jogador, mas as condições políticas do Afeganistão não permitiram. Foi assim que precisou emigrar pela primeira vez.
No Irã, o sonho do futebol tornou-se mais difícil devido à legislação que impedia afegãos de praticarem o esporte profissionalmente: “Passei em muitos testes [para entrar em clubes], mas de acordo com as leis do país, não podíamos jogar”, revelou o jovem. Apesar das muitas tentativas e de ter um nível técnico suficiente para ingressar nos times do país, nunca lhe foi permitido atuar nas partidas.
No governo de Ebrahim Raisi, ainda enfrentava restrições que dificultavam sua estabilidade econômica: afegãos eram impedidos de obter uma carteira de habilitação ou comprar um imóvel em nome próprio. Esses fatores, somados às barreiras ao esporte, corroboraram para a decisão de novamente se mudar, mas dessa vez de continente. E o destino escolhido foi o local que, de acordo com Pooryia, proporcionaria a ele mais chances de uma carreira bem-sucedida no futebol e, para sua família, uma maior liberdade e oportunidades de trabalho: o Brasil.
A chegada a um novo mundo foi considerada positiva. Aqui, o jogador relata poder desenvolver sua carreira, e seus parentes dispõem de mais opções para se manterem. Porém, não há apenas pontos positivos. “O maior problema é, primeiro, a cultura diferente; depois, a língua”, diz. Além disso, a barreira de comunicação atrapalha outros aspectos do cotidiano, o que provoca um desgaste emocional e psicológico: “Às vezes você até se envolve completamente na saudade de casa e se afasta da vida”, complementou. Apesar dos obstáculos, Pooryia frisa as qualidades do povo brasileiro: “As pessoas são muito amigas e gentis”.
No entanto, o futebol ainda não rendeu os frutos que ele gostaria. Por problemas burocráticos, não pôde se filiar ao São Gonçalo, clube para o qual foi aprovado nos testes da categoria da base e em que chegou a atuar em alguns amistosos. “Como a janela internacional estava fechada no momento da assinatura do contrato, não pude jogar”. Entretanto, diz treinar todos os dias para ser aceito em um novo time.
Pooryia Abdullahi ainda mantém vivo o sonho de ser um atleta de sucesso, e o faz por sua família e cultura: um de seus principais desejos é mostrar a cultura de seu país por meio dos campos. E no topo de seus objetivos está a satisfação de seus pais: “Eles perderam todas as suas coisas só por causa do meu desejo, por isso meu sonho é me tornar um grande jogador de futebol”.
Por Victor Kallut, Pedro Henrique Carvalho e Larissa Carvalho, estudantes da disciplina de Laboratório de Cidadania, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ministrada pela Profa Fernanda Paraguassu.
Sob supervisão de Fernanda Paraguassu.
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