Iñaki Williams atuando pela seleção ganesa. Foto: Icon Sport.
Os pais do atacante fugiram de Gana e tiveram que atravessar o deserto do Saara, sem comida ou água e, após sobreviverem ao trajeto, pularam muros na fronteira da Espanha com o norte da África.
Iñaki Arthuer Dannis Williams nasceu em 15 de junho de 1988, em Bilbao, na Espanha. Sua carreira é marcada pela resistência. Williams passou mais de seis anos sem ficar fora de um jogo, mas poucos sabem que essa resiliência é a marca de sua família. Filho de ganeses, os pais do atacante fugiram do país e tiveram que atravessar o deserto do Saara sem comida ou água e, após sobreviverem ao trajeto, precisaram pular muros na fronteira da Espanha com o norte da África.
Por serem imigrantes em situação irregular, eles acabaram sendo presos pela guarda civil e seriam mandados de volta para Gana. Foi quando um advogado da Cáritas (uma organização social da Igreja Católica) os ajudou: ele disse que só poderiam entrar na Espanha se declarassem que estavam vindo de um país em guerra. Então Félix e María rasgaram seus documentos ganeses e afirmaram ser da Libéria.

Porém, Iñaki só ficou sabendo da história de sua família aos 20 anos, quando já jogava pelo profissional do Athletic Bilbao. Sua mãe escondia a história dele e de seu irmão, Nico. Em entrevista ao jornal inglês The Guardian, ele comentou sobre o choque que teve quando descobriu.
“Você assistia ao noticiário e via barcos chegando da África, pessoas escalando a cerca (em Melilla, cidade da fronteira espanhola com a África) e percebi que não sabia realmente como chegamos à Espanha. É algo que eu sempre perguntei, mas minha mãe evitou porque eu era apenas uma criança. E talvez ela então tenha pensado que se tivesse me contado quando comecei no Athletic aos 18 anos teria sido um peso nas minhas costas. Eu sabia que minha vida era diferente da dos meus amigos e eu podia imaginar, mas quando você ouve os detalhes… (silêncio). Minha mãe disse: ‘Se eu soubesse, teria ficado.’ Ela estava grávida de mim, mas não sabia.”
Após o nascimento de Iñaki, a família se mudou para Pamplona, há 150 quilômetros de Bilbao, para morarem em um conjunto habitacional do governo. Seu pai, Félix, decidiu se mudar sozinho para Londres em busca de emprego. Por lá trabalhou como faxineiro em um shopping e como segurança no Stamford Bridge, estádio do Chelsea. Ao mesmo tempo, sua mãe trabalhava em dois ou três lugares, quando tinha emprego. Então com 11 anos, Iñaki ficava responsável por cuidar de seu irmão, Nico, que tinha apenas 3. Apesar de não terem luxos, o atacante comenta que se sentia bem com a vida que levava naquela época: “Eu tinha comida, algo para vestir e, comparado a muitas pessoas, eu era rico. A história dos meus pais me disse isso”, contou.

A relação de Iñaki com o futebol começou cedo, ele conta que desde os quatro anos jogava bola com as crianças da rua. Seu primeiro clube foi o CD Pamplona, onde ele ficou dos 15 aos 18 anos. Em 2012, ele chamou atenção do Athletic Bilbao, o maior clube da região, e foi contratado para as categorias de base da equipe. Dessa forma, ele passou por um empréstimo no Baskonia (clube satélite), depois por um período no Bilbao Athletic (clube secundário) até ter sua oportunidade de estrear no profissional em 2014.
Só por estrear no profissional, Iñaki já fez história, mas ele ficou ainda maior quando marcou seu primeiro gol em fevereiro de 2015 e se tornou o primeiro atleta negro a marcar pelo Athletic Bilbao. Isso aconteceu por conta do clube só contratar jogadores que tenham alguma raiz ou ligação com o País Basco, exigência que o atacante cumpre por nascer em Bilbao, mesmo sendo filho de ganeses. Desde então, ele é um dos destaques da equipe, sendo titular na maioria das oportunidades.
“A sociedade está mudando: está mais aberta, há mais imigração, mais diversidade. Quando cheguei, havia poucos negros, agora há muitos nas categorias de base. Diversidade, movimento, traz isso e veremos isso na seleção. Inglaterra e França têm muitos jogadores negros.”
Nesse contexto, o posicionamento e o engajamento social de Iñaki Williams têm sido notáveis, especialmente em Bilbao. Segundo o jornalista Luis Fernando Filho, especialista em futebol africano, comentarista da CazéTV e criador do canal África Mamba, “o posicionamento do Iñaki Williams surtiu muito efeito nos últimos anos. Principalmente em Bilbao, país basco, e como o próprio clube abriu mais portas para jogadores negros da cidade. Entre eles, Nico Williams, seu irmão, Alvaro Djaló e Adama Boiro – todos eles com origens africanas e presentes no elenco principal do Athletic. Há 10 anos, essa era uma realidade quase impossível no clube basco.”
Além disso, Iñaki é reconhecido por sua resistência física inigualável. Entre 2016 e 2023, o atacante entrou em campo em TODOS os jogos do Athletic Bilbao, foram SEIS ANOS jogando sem ficar de fora por lesão ou suspensão. Em outubro de 2021, ele se tornou o recordista em partidas consecutivas na La Liga, ao ultrapassar Juanan Larranga que fez 203 jogos em sequência pela Real Sociedad entre as décadas de 80 e 90. O recorde de Inaki é de 251 partidas seguidas.
“Os médicos e fisioterapeutas dizem que é incrível, que é impossível acontecer um caso como esse de novo, principalmente jogando jogos de alta intensidade a cada três dias. Agradeço aos meus pais pelos genes. Não sei o que é, mas há algo dentro de mim”, disse Williams.
Por conta de sua descendência, Williams sempre foi cobiçado pela seleção ganesa, mas ele sempre negava por se sentir espanhol e não querer tirar a vaga de alguém 100% ganês. Com isso, ele chegou a estrear pela seleção da Espanha, em um amistoso contra a Bósnia em 2016, mas nunca teve muitas oportunidades por lá.
“Admiro e amo Gana, a cultura, comida, tradição. Meus pais são de Acra e eu gosto muito de ir. Mas não nasci nem cresci lá, minha cultura está aqui e há jogadores para quem isso significaria mais. Não acho que seria certo ocupar o lugar de alguém que realmente merece ir e que se sente Gana 100%”, declarou.
Contudo, ele mudou de ideia após muita insistência da federação ganesa e da falta de oportunidades na Espanha. Em 2022, disputou a Copa do Mundo pela seleção de Gana. Para Luis Fernando Filho, a escolha de Iñaki, nascido na Europa, mas com raízes africanas, por defender uma seleção africana, significa um contra-êxodo histórico em relação ao futebol. “Se antes, a lógica ocidental impedia que um atleta de origem africano, sequer pensasse em representar o país dos seus pais, Iñaki Williams é um exemplo dos novos tempos.” Ele complementa que “a consciência histórica, social e política sobre a Diáspora Africana e todos os seus significados. A escolha de Iñaki é um marco e exemplo para outros atletas nascidos na Europa e com ascendência ou descendência africana.”

O jornalista também destaca a importância do “movimento das federações africanas para atrair jogadores com dupla nacionalidade”, classificando-o como “um movimento importante e sem volta”. Ele acrescenta que as federações são “as principais responsáveis por convencerem os jogadores da Diáspora a aceitarem o projeto das seleções”, e que com maior profissionalismo, “as seleções africanas se tornarão mais fortes e competitivas. E isso já está em processo.”
A Copa do Mundo poderia ter criado um confronto emocionante na família Williams. Isso porque seu irmão, Nico, também disputou o torneio, mas pela seleção da Espanha. No entanto, devido à combinação de resultados e ao fato de Gana ter ficado em último lugar no seu grupo, os irmãos não chegaram a se enfrentar.
Por Bruno Marinho e Francisco Paulo Queiroz (Alunos da Escola de Jornalismo da UFRJ, sob supervisão de Fernanda Paraguassu)
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