Foto: Aula de português na Casa de Acolhida São José (casjrroficial)
Em meio ao cenário de incertezas da pandemia da Covid-19, a gaúcha Adriana Sangalli encontrou uma forma de fazer a diferença. Em setembro de 2020, em parceria com a ONG PDMIG – Pacto pelo Direito de Migrar, a jornalista lançou o Projeto Identidades – Cultura Global em Movimento, para oferecer de forma gratuita, espaços seguros para migrantes e refugiados no Brasil. O curso de Língua Portuguesa, carro-chefe do projeto, expandiu fronteiras: até outubro de 2023 havia impactado mais de 30 nacionalidades e residentes provenientes de diversos países, desde a América Central até a Ásia.
O projeto voluntário surgiu como inspiração para Adriana após sua experiência em Roraima entre 2018 e 2019, quando foi voluntária no Centro de Direitos Humanos e Migrações. A jornalista encontrou no Identidades sua forma de expressar tudo que viveu lá. “Eu tinha aquilo na cabeça: ‘gente, eu tenho que escrever’. Mas não me via compartilhando tudo nas redes sociais. Então, quando o Identidades surgiu, para mim foi: está aqui a minha escrita. Eu estou escrevendo a minha resposta a partir do impacto do que eu vi e vivenciei dentro da experiência da migração. Muito mais do que pensar enquanto profissional, foi uma resposta minha, pessoal, a partir dos meus anseios.”
Hoje o Identidades está desvinculado da ONG PDMIG para seguir como projeto independente, fazendo parcerias com outras organizações. Atualmente, tem quatro modalidades de ensino: O ‘Território’, que é on-line, para todos em qualquer lugar; O ‘Institucional’, que acontece com as parcerias; O ‘Fronteira’, cujo conteúdo se aplica a qualquer país, apenas mudando o idioma; E o ‘Instrumental’, que atende grupos específicos de um determinado lugar, de acordo com a necessidade imediata.
Mulheres venezuelanas refugiadas em Pacaraima, Roraima, foram as primeiras a se beneficiarem da frente ‘Fronteira’. No final de 2021, o projeto implementou aulas de português na Casa de Acolhida São José (CASJ), que abriga mulheres e crianças. O formato tradicional on-line que o Identidades já tinha experiência não se aplicava à realidade de uma fronteira, em que a rotatividade é alta, então a equipe precisou se adaptar. “Eram dificuldades com internet, tinha muita chuva, elas estavam todas juntas em um único ambiente, mas as professoras on-line. Então, fizemos uma inovação, não se sabe de nenhum outro curso que fez isso”, conta Adriana.
“Em termos de conteúdo, a gente precisou pensar num modelo de porta giratória. Pensando naquela mãe que estava ali para fazer a documentação em dois ou três dias e precisava ter o mínimo de conhecimento para poder se comunicar já em Boa Vista ou no avião para viagem. As aulas sempre funcionavam com conteúdo com início, meio e fim no mesmo dia”, explicou. Ao invés de ter várias turmas, cada uma com uma professora diferente, todas as voluntárias atuaram juntas, se complementando. “A gente desenvolveu um conteúdo e uma metodologia em que a própria equipe do Identidades passou a trabalhar junto. Uma passava para a outra o que que foi trabalhado no dia anterior e se uma não podia em um determinado dia, outra a substituía”, diz Adriana. Segundo a jornalista, esse foi um pedido das próprias alunas: “Elas contaram que prefeririam ter acesso a todas as professoras, porque cada uma era de uma região, com um sotaque diferente”.
Também em Roraima, em parceria com a Operação Acolhida e com a Universidade Federal de Roraima, o projeto abriu uma turma de português para indígenas Warao. “A Universidade cedeu um espaço físico e a Operação Acolhida fez a seleção dos alunos a partir de um abrigo e viabilizou a logística de levá-los para lá duas vezes na semana durante três meses”, explica Adriana. O plano para o final de 2024 é realizar a segunda turma para os indígenas, mas agora em um espaço do Centro Educacional da Operação Acolhida.
Para Adriana, uma contribuição do projeto é propiciar um espaço seguro, onde os migrantes e refugiados se sintam acolhidos e não diferentes dos demais. “De certa forma, todos estão ali buscando a mesma coisa, independente do caminho que cada um traçou para chegar. Existe um pano de fundo que faz o outro não ser tão diferente dele”, explica. Mais do que o ensino da língua, Adriana enxerga o Identidades como um espaço de troca: “É enriquecedor, porque tem pessoas de diversas nacionalidades aprendendo juntas. É um espaço de integração. É de migrante com migrante, de brasileiro com brasileiro, de brasileiro com migrante. Eu acho isso fascinante”.
Por Caroline Simões, Milene Gabriela, Frederico Vidal, Gustavo Becker e Jean Carlos de Souza, estudantes da disciplina de Laboratório de Cidadania, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ministrada pela Profa Fernanda Paraguassu.
Sob supervisão de Fernanda Paraguassu.
0 comentários