O mundo está passando por mudanças climáticas significativas, impulsionadas principalmente pelas atividades humanas. A principal causa desse desequilíbrio climático é o aumento da concentração de gases de efeito estufa (CO₂, metano, óxidos de nitrogênio) – resultado da queima de combustíveis fósseis – desmatamento e agricultura intensiva. As temperaturas médias globais, por sua vez, estão aumentando.
Ondas de calor tem sido mais frequentes e intensas, com recordes de temperatura batidos em diversas partes do mundo; secas prolongadas afetam a produção agrícola e o abastecimento de água em todo o mundo; tempestades, furacões e ciclones estão se tornando mais intensos devido ao aquecimento dos oceanos, que por sua vez está subindo e ameaçando cidades costeiras e ilhas baixas; chuvas torrenciais e enchentes causam desastres em várias regiões; as calotas polares e geleiras estão derretendo em um ritmo acelerado, especialmente na Groelândia e na Antártica, desequilibrando o clima mundial.
De acordo com o relatório realizado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) – agência especializada da ONU – divulgado em 2024, no Brasil, foram registrados em 2023 doze eventos climáticos extremos, sendo nove deles considerados incomuns e dois sem precedentes. Cinco ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca e um ciclone extratropical foram reportados.
Para a OMM, “2023 foi o ano mais quente já registrado na América Latina. As ondas de calor causaram impactos na saúde durante todo o ano, incluindo o aumento na mortalidade”, afirmou o relatório. Segundo dados da agência, no ano de 2023, 11 milhões de pessoas foram afetadas diretamente e 909 morreram por eventos climáticos na América Latina. As enchentes foram responsáveis por 53% das mortes.
Infância em Perigo: A Nova Geração Deslocada pelo Colapso Climático
Em meio às pautas e negociações sobre emissões, créditos de carbono e metas para limitar o aquecimento global, um tema de impacto humano direto segue sendo, ano após ano: o deslocamento forçado de crianças em função da crise ambiental. Às vésperas da COP30, que será realizada em Belém (PA), cresce a expectativa se, enfim, o drama de milhões de crianças refugiadas climáticas ganhará o espaço que sua urgência exige.
De acordo com o relatório Children Displaced in a Changing Climate, produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 43,1 milhões de deslocamentos infantis ocorreram entre 2016 e 2021 devido a desastres ambientais, como enchentes, tempestades, secas e incêndios florestais. A média equivale a 20 mil crianças obrigadas a deixar seus lares diariamente. Desse total, 95% dos deslocamentos foram causados por inundações e tempestades.
A imagem de crianças atravessando águas turvas no Paquistão, após as inundações devastadoras de 2022, que afetaram 33 milhões de pessoas, ou os relatos de famílias sudanesas forçadas a abandonar suas casas após cheias inesperadas, ilustram o drama que cresce silencioso. Em 2022, cerca de 500 crianças perderam a vida após chuvas equivalentes a 10 anos em aldeias no sul de Sindh, no Paquistão.
O representante do UNICEF no Paquistão, Abdullah Fadil, lembra o cenário em que viveu, no qual crianças subnutridas carregavam o pouco que tinham levado com elas, abaladas com toda a situação e “sem suas escolas, esperanças e aspirações para o futuro”, completa.“A cada nova catástrofe climática, são as crianças que carregam as marcas mais profundas, vivendo em abrigos precários, sem água potável, expostas a riscos sanitários e violência”, destaca trecho do relatório.
América Latina: o rosto infantil do deslocamento
O fenômeno, porém, não é restrito a países asiáticos ou africanos. Na América Latina e Caribe, 25% das pessoas em movimento são crianças — a maior proporção mundial ao lado da África Subsaariana. Esse percentual supera a média global de 13% e, em algumas rotas migratórias irregulares da região, crianças com menos de 11 anos já representam 91% dos deslocamentos infantis.
O avanço das mudanças climáticas se soma a outros fatores como violência, pobreza e instabilidade política para impulsionar o êxodo. Segundo o UNICEF, a migração infantil no continente atingiu níveis recordes nos últimos três anos, forçando países de origem, trânsito e destino a lidar com novos desafios humanitários.
O Brasil, que sediará a COP30, não está alheio a esse quadro. O Pará, palco do evento, convive com o deslocamento forçado de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas em função de grandes empreendimentos e da degradação ambiental. Além disso, o estado vem recebendo centenas de indígenas venezuelanos Warao, muitos fugindo da crise humanitária e ambiental no país vizinho.
Educação interrompida e o risco de uma geração perdida
Outro efeito colateral das crises climáticas sobre a infância aparece na educação. Em 2024, cerca de 250 milhões de crianças e adolescentes tiveram as aulas interrompidas por desastres climáticos, segundo dados do UNICEF. A região mais atingida foi o Sul da Ásia, com 128 milhões de estudantes afetados, seguida pela Ásia Oriental, Pacífico e África.
Sem escolas e em abrigos improvisados, essas crianças perdem anos de aprendizado e convivência social, ampliando as chances de exclusão econômica e vulnerabilidade no futuro. Para o UNICEF, o fenômeno pode criar uma geração marcada pela privação de direitos básicos, condenada à marginalidade antes mesmo de alcançar a idade adulta.
COP30: oportunidade ou nova omissão?
A crise climática e o deslocamento infantil foram oficialmente reconhecidos na agenda das COPs apenas em 2021, durante a COP26. Na ocasião, chamou atenção o protesto do ministro de Tuvalu, arquipélago do Pacífico ameaçado pela elevação do nível do mar, que discursou com a água na altura dos joelhos. Desde então, porém, o tema avançou pouco.
A COP29, realizada no Azerbaijão, priorizou discussões voltadas ao mercado de carbono e soluções corporativas, enquanto a presença de empresas do agronegócio brasileiro na delegação nacional exemplificou a dificuldade de inserir os direitos humanos no debate climático. Analistas enxergaram nos acordos firmados naquela edição traços de greenwashing, priorizando soluções cosméticas e evitando temas polêmicos, como o deslocamento forçado induzido pelo “desenvolvimento” de grandes projetos.
A expectativa para a COP30 não é muito diferente. Embora haja promessas de ouvir povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia, especialistas temem que o refúgio ambiental, especialmente o infantil, siga marginalizado. “A COP sempre foi muito marcada pela centralidade econômica. Trazer o debate humanitário de forma protagonista exige romper essa lógica”, afirma a pesquisadora e ativista climática Helena Ribeiro, em entrevista ao MigraMundo.
Por que importa
Se a COP30 falhar em assumir o compromisso de proteger crianças deslocadas pelo clima, reforçará a tendência de invisibilização desse drama. A infância é a face mais vulnerável da crise ambiental e, paradoxalmente, a menos ouvida nos fóruns internacionais.
Belém, pela sua história de resistência e pela posição estratégica na Amazônia, poderia se tornar o palco de uma virada nesse debate. Mas, para isso, seria preciso coragem política e disposição para confrontar os interesses que lucram com o colapso ambiental.
Como apontou o relatório do UNICEF, além de reconhecer os números e propor políticas efetivas, é fundamental ouvir as crianças e jovens afetados. Um exemplo disso ocorreu na COP27, quando delegados jovens africanos apresentaram a Primeira Declaração Jovem sobre Mobilidade Climática. Que a COP30, em solo amazônico, não perca a oportunidade de avançar nesse caminho.
Por Vitória Miranda da Silva, Sara Trindade e Brenda Magalhães (alunas da Escola de Comunicação da UFRJ)
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