Papo sério

Crianças refugiadas enfrentam obstáculos no acesso a direitos

por | 28 out, 2024 | marco legal, papo sério

Foto: Yelitza Paredes em festa de tradições venezuelanas / Arquivo pessoal

O número de refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil aumenta a cada ano. Entre essas pessoas, observa-se também o crescimento no número de crianças e adolescentes. Diante disso, é fundamental analisar se os órgãos públicos estão preparados para garantir os direitos das crianças, como saúde, educação e segurança.

De acordo com o relatório do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em 2023, 143.033 pessoas estavam refugiadas no Brasil. Esse número representa um aumento de 117,2% em comparação a 2022. Somente em 2023, o governo brasileiro reconheceu 77.193 novas pessoas como refugiadas, e, desse total, 44,3% eram crianças, adolescentes e jovens com até 18 anos de idade.

Além disso, dados divulgados na última edição do relatório “Refúgio em Números” do governo brasileiro revelam que, em 2023, foram feitas 58.628 solicitações da condição de refugiado no Brasil, provenientes de 150 países. No contexto global, o relatório Global Trends da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) estimou que 41% dos 35,3 milhões de refugiados em 2022 eram crianças.

Para muitas famílias, como a de Yelitza Josefina Lafón Paredes, refugiada venezuelana que vive no Rio de Janeiro desde 2018, a luta para garantir o acesso dos filhos aos direitos básicos é árdua. Ela relata que seus filhos enfrentaram dificuldades de adaptação ao chegarem ao Brasil. “Eles não aceitavam o fato de terem deixado o país e seus amigos”, conta Yelitza.

A barreira linguística foi um dos maiores obstáculos. Isso porque as crianças sentiam vergonha de falar português, e às vezes eram tratadas com desdém pelos colegas quando falavam em espanhol. “Eles me chamavam de má e falavam que eu era a culpada por termos deixado nossas vidas na Venezuela”, relembra

Segundo a coordenadora do Programa de Integração Local do Programa de Atendimento a Refugiados (Pares) da Cáritas RJ, Karla Ellwein, a principal demanda dos refugiados que chegam com crianças é garantir que elas possam voltar a frequentar a escola. A coordenadora explica que as crianças têm direito de se matricular e voltar a estudar sem apresentar nenhum documento, como histórico escolar. “Elas têm esse direito, é uma resolução do Conselho Nacional de Educação (…) Claro que, na prática, dependendo da escola, elas têm dificuldade”, afirma.

Com isso, Karla destaca a discrepância entre a lei e a garantia de alguns direitos básicos, entre eles, a educação. “Os refugiados têm direito a qualquer política pública a partir do momento em que solicitam o refúgio, mas é claro que, na lei, é uma coisa, na prática, é outra completamente diferente”, conta.

Colaboradores do PARES – Cáritas RJ. Foto: PARES Cáritas RJ /Luciana Queiroz.

Yelitza, por outro lado, conseguiu matricular os filhos na escola com o apoio da 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE). Ela conta que, por ter vindo de um abrigo, sabia de antemão quais documentos seriam necessários e solicitou que o marido trouxesse da Venezuela todos os boletins escolares. Apesar de superarem os desafios iniciais, seus filhos levaram tempo para se adaptar. “No começo, eles não queriam ir à escola, ficavam envergonhados. Mas com o tempo, foram se adaptando, aprendendo português, e uma das minhas filhas chegou a ser premiada como aluna destaque da escola”, conta orgulhosa.

Além da educação, a questão da saúde também é crítica. No relato de Yelitza, as condições de atendimento melhoraram significativamente com a criação da Operação Acolhida. Antes disso, conta, os direitos dos refugiados eram frequentemente violados. “No início, muitos imigrantes enfrentavam violência policial nas ruas e eram impedidos até de usar banheiros públicos”, relata sobre sua experiência em Pacaraima e Boa Vista, em Roraima, por onde entrou no país. A situação mudou com a implementação de políticas públicas de acolhimento, que começaram a garantir o direito à saúde para os refugiados. No caso de Yelitza, seus filhos, abrigados em Pacaraima, tiveram acesso a atendimento médico sempre que necessário, sem enfrentarem problemas de saúde graves.

Hoje, Yelitza sente que pertence ao Rio de Janeiro e se vê como uma liderança em sua comunidade. Ela atua como representante de imigrantes na Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (COMIGRAR), lutando pela inclusão de políticas públicas que atendam às necessidades de imigrantes e refugiados. Seu projeto “Resgatando Raízes”, que ensina crianças imigrantes sobre a cultura venezuelana, é um exemplo de como ela busca integrar suas origens culturais com a nova realidade no Brasil, sem perder de vista a importância da educação para o futuro dessas crianças.

Os impactos do refúgio para crianças e adolescentes vão muito além da lei, do idioma e da educação. De acordo com a psicóloga e especialista em transtornos emocionais, Valeria Sabater, o contexto de estresse e angústia no processo de migração, podem desencadear inúmeros transtornos, como problemas psicológicos e comportamentais na fase de formação mental, que, sem o devido tratamento, podem gerar traumas que irão perdurar para a vida adulta. Nesse sentido, é imprescindível que os órgãos públicos ofereçam o apoio necessário e
que as leis sejam efetivamente cumpridas, não sendo somente mais uma cláusula da Constituição Brasileira.

REFERÊNCIAS

https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/brasil-acolhe-mais-de-125-mil-migrantes-e-refugiados-venezuelanos-por-meio-da-operacao-acolhida

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/06/13/numero-de-refugiados-no-brasil-aumenta-117percent-em-2023-venezuelanos-e-cubanos-sao-maioria-diz-estudo.ghtml

https://www.acnur.org/br/sobre-o-acnur/dados-refugiados-no-brasil-e-no-mundo#:~:text=De%20acordo%20com%20dados%20divulgados,angolanas%20(6%2C7%25).


Por Brenda Sales, Daniela Lopes e Giovana Gimenes, estudantes da disciplina de Laboratório de Cidadania, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ministrada pela Profa Fernanda Paraguassu.

Sob supervisão de Fernanda Paraguassu.

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