Papo sério

Aeroporto Central: entre o sonho e a espera

por | 21 out, 2024 | cultura e esporte, papo sério

Resenha

O filme THF: Aeroporto Central, dirigido por Karim Aïnouz, é um documentário que acompanha a vida real de dois refugiados recém-chegados em terras alemãs. Um deles é Ibrahim Al Hussein, estudante sírio de 18 anos, e o outro é Quitaiba Nafer, médico fisioterapeuta iraniano. Apesar dos perfis diferentes, ambos têm algo em comum: vivem como refugiados no antigo aeroporto principal de Berlim, o Tempelhof. 

Karim Aïnouz é um diretor e roteirista brasileiro nascido em Fortaleza, com origens argelinas. Ele ficou conhecido por seus trabalhos em A Vida Invisível (2019), O Céu de Suely (2006) e Praia do Futuro (2014). Em 2011, recebeu o prêmio de Melhor Diretor no Festival do Rio, e em 2019 venceu o Un Certain Regard no Festival de Cannes. Desde 2017, é membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Com a produção de THF: Aeroporto Central, ele conquistou o Prêmio da Anistia Internacional no Festival de Cinema Internacional de Berlim, em 2018.

Ibrahim e Quitaiba.
Crédito: Aeroporto Central (Zentralflughafen THF)

Antes das gravações iniciarem, Karim passou semanas conversando e observando os refugiados. O diretor procurou entender as pessoas antes de começar a filmar. O processo foi longo, mas bem-sucedido, o que impactou o filme de maneira positiva. Essa atitude facilitou com que os indivíduos se sentissem mais à vontade frente às câmeras, além de transmitir uma naturalidade nas cenas.

Karim Aïnouz foi feliz quanto a forma de transmitir a mensagem que ele queria. Em certos momentos, foi feita a escolha de utilizar a narração da vida de Ibrahim, antes e depois da saída forçada de seu país, com a própria voz do rapaz. Sem dúvida, essa opção deixou o filme mais próximo da realidade. Com isso, entendemos melhor a história do jovem e somos levados a uma reflexão sobre o contexto contemporâneo da migração forçada e o refúgio. Muitas vezes, por exemplo, os refugiados são alocados em lugares improvisados, como foi o aeroporto Tempelhof, no caso da Alemanha.

Esse aeroporto foi pensado e reformado para se tornar um dos maiores e mais bonitos do mundo, como uma forma de demonstrar o poder alemão durante a ascensão de Adolf Hitler, na década de 1930. Posteriormente, serviu como ponto de apoio à força aérea nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos anos depois, o já desativado terminal aeroviário serviu como centro de acolhimento aos refugiados, algo completamente contrário e inimaginável quando se pensa na proposta original do local. Uma dualidade quase irônica do destino. 

Essa dualidade se faz presente durante todo o filme, algo a se destacar enquanto a história se passa em Berlim, uma cidade que no passado, foi dividida em dois lados. A estética pode nos ajudar a perceber isso. Marcado por planos sequência e imagens divididas por elementos reais dos próprios cenários, a câmera se posiciona como um espectador frio ao ambiente. Conseguimos sentir os personagens ao longo do tempo e ter empatia com eles, mas de uma maneira passiva, uma característica de documentários observativos. A câmera se posiciona não tão perto nem tão longe, capturando a sensação de que somos estrangeiros ao local, assim como os personagens. 

Instalações improvisadas no Hangar 3 do aeroporto para abrigar os refugiados.
Crédito: Aeroporto Central (Zentralflughafen THF)

Em vários momentos, percebemos a divisão daqueles que esperam por uma resolução da sua situação por parte do governo alemão (espera essa que pode levar mais de um ano), e da população alemã, que vive sua vida normalmente em áreas próximas ao aeroporto alheia ao que acontece do lado de dentro. O filme cria barreiras naturais, a partir do próprio enquadramento da câmera, que evidencia essa diferença. O posicionamento quase frio, com cenas longas e sem cortes, é algo a ser levado em conta como parte da história.

O filme aborda diversos temas, como identidade, pertencimento e deslocamento, porém, o mais marcante é a espera. Espera por uma resposta do governo, por uma chance em um novo país, por uma oportunidade. A obra trabalha com esse conceito de espera, seja com o passar dos meses, das estações do ano, do clima ou do próprio amadurecimento dos personagens. A monotonia da rotina e a passagem de tempo dão ritmo lento ao filme, mas que não chega a ser entediante. Apesar da rotina sem novidades, os personagens não parecem se importar, uma vez que cada dia dentro do Aeroporto Central Tempelhof, é um dia mais próximo de seus sonhos, de uma vida livre e em paz. 

Refugiados assistem à queima de fogos do Ano Novo no telhado do Tempelhof.
Crédito: Aeroporto Central (Zentralflughafen THF). 

THF: Aeroporto Central tem duração de 1 hora e 37 minutos, além de classificação indicativa de 12 anos. Apesar de ser uma obra com assuntos sensíveis, ela é apropriada para jovens e adultos. Quem tem um certo conhecimento sobre as questões migratórias globais consegue extrair mais detalhes subjetivos da obra, uma vez que o filme não se aprofunda muito nesse sentido. A sua exibição inaugural foi na mostra Panorama, na 68a edição da Berlinale. Dois anos depois, durante a pandemia, foi lançado para as plataformas de streaming, e hoje está disponível somente para aluguel no Youtube, Google Play e Apple TV. 


Por Bruno Marinho, Rodrigo Carvalho e Tamiris Zapata, estudantes da disciplina de Laboratório de Cidadania, do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ministrada pela Profa Fernanda Paraguassu.

Sob supervisão de Fernanda Paraguassu. 

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