Foto: Universidade de Harvard / EUA
Desde o início do segundo mandato do presidente americano, Donald Trump, em janeiro de 2025, estudantes internacionais nos Estados Unidos enfrentam um cenário de incerteza no país. A nova política migratória visa restringir a presença de estrangeiros considerados ameaças à segurança nacional pelo governo americano, que já contabiliza mais de 600 vistos revogados recentemente.
Ao mesmo tempo, as manchetes de vários jornais ao redor do mundo estão marcadas por relatos de detenções em campus universitários e cancelamentos de vistos estudantis por infrações menores, como multas de trânsito e perseguições a manifestantes políticos.
A estudante de doutorado da Universidade Tufts, em Massachusetts, Rümeysa Öztürk foi libertada em maio deste ano após passar mais de um mês em um centro de detenção de imigrantes no estado da Louisiana. Seu caso foi mais um exemplo da escalada de repressão do governo de Trump contra estudantes internacionais.
Nascida na Turquia, Öztürk foi detida em 25 de março de 2025, um ano depois de publicar um artigo no jornal da Universidade Tufts. Na matéria, ela criticava a resposta da universidade à guerra em Gaza.
Seis agentes federais mascarados prenderam Öztürk enquanto ela andava perto de sua casa em Massachusetts em plena luz do dia. Câmeras de seguranças do bairro capturaram as imagens. Milhares de pessoas compartilharam os vídeos e protestaram pelo país.

Segundo o Globo, a porta-voz do DHS, Tricia McLaughlin, relatou que a estudante estaria envolvida em atividades de apoio ao grupo Hamas, que o governo classifica como “organização terrorista”. O problema, porém, é que nenhum representante do governo apresentou evidências dessas supostas atividades durante o julgamento de Öztürk. De acordo com seus advogados, a doutoranda foi alvo da administração de Trump com o objetivo de abafar discursos pró-Palestina, o que viola seus direitos constitucionais.
Durante os dias de custódia, Öztürk enfrentou condições degradantes. A estudante sofreu crises de asma sem atendimento adequado e foi transferida ilegalmente para a Louisiana, desrespeitando uma ordem judicial que a mantinha em Massachusetts. No julgamento, um especialista relatou que os episódios de asma da doutoranda aumentaram em intensidade e frequência depois da prisão, segundo a CNN US.
A estudante, que não tinha nenhum histórico criminal e contava com um visto estudantil válido, foi liberada da prisão e não deve ser monitorada por agentes do governo ou restringida de viajar. Em conferência, relatou ter fé no sistema judiciário americano. “Este tem sido um momento muito difícil para mim, para a minha comunidade, para a minha comunidade em Tufts, na Turquia, mas sou muito grata por todo o apoio, gentileza e cuidado.”
Öztürk não está sozinha. São diversos casos de estudantes que tiveram seus vistos cancelados e foram deportados ou detidos no território americano. Mohsen Mahdawi, estudante da Universidade de Columbia e ativista pró-Palestina, foi preso em abril ao chegar para fazer uma entrevista com objetivo de obter a cidadania do país. Nascido e criado em um campo de refugiados na Cisjordânia, o estudante conseguiu ser liberado sob fiança.

Uma situação diferente da de Mahmoud Khalil. O estudante de pós-graduação da mesma universidade que Mahdawi foi preso em Nova York no mês de março. Khalil era uma figura importante do movimento estudantil pró-Palestina que tomou conta do campus de Columbia, além de já ser considerado cidadão americano por possuir o green card. Pressionado, o governo Trump apresentou uma carta de Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, que afirmava considerar que o estudante deveria ser retirado do país por fazer parte de “protestos antissemitas e atividades perturbadoras, que fomentam um ambiente hostil para estudantes judeus nos Estados Unidos”.
De acordo com a NBC News, autoridades governamentais até mesmo pareciam se basear em artigos de tabloides sobre o estudante, bem como afirmar que Khalil mentiu em formulários de solicitação de residência nos EUA. Por outro lado, Khalil disse que suas críticas em relação ao apoio do governo americano à ocupação militar de Israel em territórios palestinos estavam sendo confundidas com antissemitismo. Preso em 8 de março, o estudante ainda estava detido no final do mês de maio de 2025.
Estudantes da América Latina também são alvo dessas políticas de Trump. Felipe Velásquez, colombiano que estudava na Universidade da Flórida, foi deportado pelo governo americano em abril de 2025. Detido durante uma abordagem de rotina no trânsito, Velásquez era aluno da graduação em economia de alimentos e recursos da Universidade.
Gravações da câmera corporal do policial responsável pela abordagem mostram o colombiano sendo parado pela polícia por conta de uma licença suspensa. Mesmo depois de apresentar sua identidade colombiana e confirmar que é um estudante internacional, Velásquez é algemado e levado para custódia policial e posteriormente entregue para o Serviço de Imigração e Alfândega do país (ICE). Sua mãe, Claudia Velásquez, disse que o filho estava renovando seu visto de estudante ao ser preso e relatou que ele assinou a deportação voluntária para evitar permanecer em detenção.
A deportação e o cancelamento de vistos de estudantes internacionais no país repercutem fortemente entre a comunidade brasileira nos Estados Unidos, que reage com preocupação.
Em entrevista para o Brasil de Fato, um estudante brasileiro de mestrado em Massachusetts, mesmo estado em que Öztürk foi detida, descreveu o momento vivido no país sob sua visão. “O clima entre os alunos internacionais é de medo. É assustador viver num lugar onde você sente que sua opinião pode ser usada futuramente para sua detenção ilegal”, apontou sob anonimato.
O mestrando comparou as ações do governo a um regime ditatorial, relatando que “no momento que o governo pode capturar pessoas em plena luz do dia, sem a necessidade de mandado judicial e sem habeas corpus, já é uma ditadura.” A fala até mesmo faz referência às falas de representantes do governo sobre a possível suspensão do habeas corpus, que consiste no direito de que pessoas nos EUA contestem suas detenções.
Segundo a Reuters, Stephen Miller, oficial da Casa Branca, já disse que “a Constituição é clara, e essa, é claro, é a lei suprema do país, que o privilégio do habeas corpus pode ser suspenso em caso de invasão.”
Para a BBC Brasil, estudantes também relatam um “clima de terror” e mudanças nas próprias rotinas para evitar problemas. Pesquisadores entrevistados relataram que algumas orientações básicas circulam em grupos de conversa: andar em grupo, saber o contato de um advogado e não levar o celular em viagens. Josué M., doutorando em Ciências Sociais, relata um sentimento de ansiedade constante: “eu gostaria de ter informações concretas, mesmo que fossem notícias ruins. Queria saber se terei salário no próximo ano, ou se serei deportado.”
Várias fontes relataram que também reduziram a participação em grupos de WhatsApp, apagaram perfis em redes sociais e pararam de publicar em plataformas como o Instagram. “Como brasileiro e latino-americano, sinto que há um alvo sobre aquilo que produzo e falo”, avalia Diego F., estudante de pós-doutorado em Direito, identificado com nome fictício para preservar sua identidade.
De acordo com a CNN, mais de 600 estudantes, professores e pesquisadores internacionais de mais de 90 universidades americanas tiveram seus vistos revogados pela administração de Trump. Destes, cerca de 130 contestaram a ação na própria justiça do país, sob justificativa de que as autoridades cancelaram os status de estudantes “abrupta e ilegalmente”, mesmo que seus vistos cumprissem todos os requisitos legais. Segundo a contestação, alguns dos alunos foram identificados como pessoas com antecedentes criminais de forma equivocada, colocando-os em risco de deportação.
Desde o início de seu segundo mandato, Donald Trump já tem intensificado sua campanha de represálias contra universidades dos Estados Unidos. Harvard, por exemplo, teve US$ 2 bilhões em fundos federais congelados pelo governo horas depois da universidade rejeitar lista de exigências da Casa Branca, que, segundo Trump, tentavam combater o antissemitismo no campus.
Algumas das demandas eram que Harvard denunciasse ao governo alunos que fossem “hostis aos valores americanos” e contratasse uma entidade externa aprovada pelo governo para auditar programas que “alimentam o assédio antissemita.” A universidade foi a primeira do país a se opor abertamente contra as decisões de Trump sobre as organizações de ensino superior.
Outras instituições, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, também se manifestaram contra as medidas federais. Sally Kornbluth, presidente do MIT, relatou em carta suas preocupações sobre a falta de explicações do governo: “O MIT é uma universidade americana, com orgulho — mas seríamos gravemente prejudicados sem os estudantes e acadêmicos que se juntam a nós vindos de outras nações.”
Já a Universidade de Columbia, onde estudava Mahmoud Khalil, adotou outra postura. A instituição concordou com várias medidas de Donald Trump em troca da restituição de US$ 400 milhões, que foram suspensos do financiamento federal sob justificativas de que a universidade tolerava práticas antissemitas dentro de seu campus. Algumas das propostas de Trump aceitas pela organização foram a contratação de agentes com autorização para prender pessoas dentro do campus de Columbia e a revisão das políticas anti-discriminação.
O exemplo dos Estados Unidos é mais uma prova de como políticas migratórias impactam as vidas de estudantes e pesquisadores que vivem em outro país, ou que pensam em deixar o lugar onde moram para ingressar em uma universidade no exterior. Será que estudantes reconsideram seus planos acadêmicos nos EUA frente a essas ações do governo Trump? Para responder essa e outras perguntas, a reportagem entrevistou alguns estudantes brasileiros que já fizeram ou farão uma viagem para estudar no exterior.
O intercâmbio nos Estados Unidos como possibilidade para estudantes brasileiros
Além de ser uma prática bem vista no mercado de trabalho, o intercâmbio é a maneira utilizada por diversos estudantes para realizar o sonho de viajar para o exterior. No entanto, devido a essas mudanças de políticas públicas em relação a migrantes, alguns universitários optaram por realizar os seus estudos em outros países, praticamente descartando a terra do Tio Sam como possibilidade.
Giulia Mignone, graduanda de jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pensava em fazer um intercâmbio desde adolescente, e tinha os Estados Unidos como destino ideal. Contudo, em janeiro de 2024, quando a oportunidade de um intercâmbio finalmente bateu à sua porta, ela optou por estudar na Universidad de Navarra, localizada na pequena cidade de Pamplona, no norte da Espanha.

Quando questionada sobre sua mudança de visão em relação aos EUA como país dos sonhos, Giulia revelou que perdeu o encanto com a possibilidade de viajar para a nação comandada por Donald Trump. “Eu não sei se eu escolheria ir para os Estados Unidos considerando essa burocracia extremamente chata para eu conseguir tirar meu visto, para eu conseguir tirar minha documentação, para eu conseguir ficar lá tranquila, sabe?”.
Giulia também pontuou que enxerga na mobilização anti-migrante promovida pelo governo estadunidense um encorajamento para parte da população disseminar ódio contra os estrangeiros: “com todas essas políticas a gente acaba escutando muitas histórias de amigos, ou amigos de amigos, ou parentes que moram lá e já sentem um pouco essa insegurança, esse medo de ser denunciado, de ser maltratado, de sofrer xenofobia por ser latino e morar nos Estados Unidos”.
Seguindo essa linha de raciocínio, a graduanda de Direito pela UFRJ Beatriz dos Anjos, que irá embarcar para Lyon em setembro deste ano para realizar seu intercâmbio, também descartou os Estados Unidos como possível destino. Segundo ela, a principal razão dessa escolha “não é por medo de ser deportada ou por medo de não ser aceita para fazer o intercâmbio, mas sim pelo ódio da população contra os migrantes”.
Ela entende que essa mentalidade tem aumentado de maneira perigosa e que atinge a todos os estrangeiros de modo geral, independente de fatores como país de origem ou legalidade. “Acho que para eles, pouco importa se você está fazendo intercâmbio, se você é um migrante legal, se você é um migrante ilegal, o que mais incomoda é você ser estrangeiro e estar no país deles, independente da sua situação. Então eu deixaria de ir por medo da violência, de sofrer algum ataque, alguma coisa nesse sentido, por conta dessa tendência, das pessoas serem anti-migrantes no geral”, finalizou.
Ainda assim, alguns estudantes escolhem o país norte-americano como o local do intercâmbio, como é o caso da graduanda de engenharia civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Agnes Sousa, que tem viagem marcada para o dia 12 de junho. Moradora de Louveira, no interior de São Paulo, ela justificou a escolha pelo fator econômico. Afirmou que das opções disponíveis no seu modelo de intercâmbio, “os Estados Unidos é a mais barata, além de ser o país mais fácil de se manter financeiramente”.
No entanto, a praticidade vem acompanhada de uma angústia em relação ao cenário político. Agnes admite que está receosa quanto a sua receptividade. “As recentes mudanças de políticas de migração nos Estados Unidos me preocupam bastante. Absolutamente todas elas.
Todos os novos critérios, que não são regulamentados, são apenas critérios de preconceito do próprio presidente, que estão dificultando a entrada de pessoas no país.” Apesar da insegurança, a universitária se mantém otimista em relação ao sucesso da estadia no novo país: “é uma situação terrível, mas eu espero que dê tudo certo”, afirma.
Entre a esperança e o medo, o sonho do intercâmbio nos EUA se torna cada vez mais condicionado por fatores que ultrapassam a sala de aula. E colocam em xeque não apenas políticas de imigração, mas os próprios valores democráticos que as universidades americanas sempre disseram defender.
Por Grazielli Fraga e Matheus Azevedo (Alunos da Escola de Comunicação da UFRJ), sob supervisão de Fernanda Paraguassu.
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