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Pensatas sobre migração e refúgio na infância e adolescência

Por Fernanda Paraguassu

A construção do imigrante como inimigo

por | fev 10, 2025 | viu isso? | 0 Comentários

Por Fernanda Paraguassu | Jornalista, Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ

Conteúdo Observatório de migrações | @brasileirosnoexterior e @mireplataforma

Se você não tem um inimigo, você cria. E Donald Trump criou. Quando o presidente dos Estados Unidos anunciou o estado de emergência nacional e enviou reforços para a fronteira com o México, o imigrante virou o inimigo. O motivo? A ameaça à ordem.

A construção do inimigo é um fenômeno social e político que vai além da segurança. Trata-se de um fator essencial para a definição da identidade nacional. No ensaio “Construir o inimigo”, Umberto Eco afirma que essa construção é um processo pelo qual um grupo ou nação identifica um adversário que serve como referência para consolidar sua própria identidade e valores.

O autor argumenta que a presença de um inimigo é fundamental para a coesão social, pois permite a união dos indivíduos em torno de uma causa comum, muitas vezes em oposição a uma ameaça percebida. Essa dinâmica é visível em diversas situações históricas e contemporâneas, em que a figura do inimigo é manipulada para fortalecer a identidade coletiva.

Durante a presidência anterior de Trump, os imigrantes eram associados a crimes e à perda de empregos. Mais prisões entre indocumentados que cometeram crimes e entre aqueles que estavam em situação irregular e não tinham cometido ação criminosa.

Essa estratégia não apenas mobilizou uma base política, mas também ajudou a definir uma identidade nacional que se opunha à ideia de diversidade e inclusão. A construção do imigrante como inimigo foi, portanto, uma ferramenta eficaz para promover políticas de exclusão e reforçar uma narrativa nacionalista.

Desta vez, Trump mostra que repete a estratégia. O medo entre os imigrantes é constante. Nos primeiros dias de sua atual administração, ele assinou uma série de ordens executivas de longo alcance na política migratória do país. O fechamento de fronteiras, a deportação de pessoas sem documentos e a criação de uma série de dificuldades para a imigração e o refúgio fazem parte da linha adotada pelo presidente. Algumas medidas, porém, enfrentam desafios legais, como o fim da cidadania automática para filhos de imigrantes que nascem no país.

A relação entre identidade nacional e a construção do inimigo também se reflete em contextos históricos mais amplos. Eco menciona como a unificação da Itália foi impulsionada pela criação de inimigos externos, como os austríacos. Da mesma forma, os Estados Unidos após o fim da Guerra Fria enfrentaram um desafio de identidade até que novos inimigos foram identificados, como o terrorismo representado por figuras como Osama bin Laden.

Essa necessidade de um inimigo não é apenas uma resposta a ameaças reais, mas muitas vezes resulta da manipulação política que busca consolidar poder e controle, uma tática usada por regimes autoritários. Além de unificar a população em torno do governo, é nesse contexto que é possível desviar a atenção de problemas internos e justificar a adoção de medidas repressoras. A criação de um estado de medo por conta de um inimigo inventado leva à aceitação de medidas autoritárias em nome da segurança, criando um estado psicológico que justifica o controle e a vigilância e o controle social.

A construção do inimigo vai além da retórica e levanta questões éticas sobre a desumanização e a marginalização de grupos sociais. Ao rotular certos indivíduos como inimigos, sociedades inteiras podem justificar ações que violam direitos humanos fundamentais. Eco destaca que esse processo pode levar à criação de estigmas duradouros e à divisão social, onde o “outro” é visto não apenas como diferente, mas como uma ameaça existencial.

Portanto, compreender essa dinâmica é crucial para abordar as tensões sociais contemporâneas e promover um diálogo mais inclusivo e respeitoso entre diferentes grupos dentro da sociedade. Neste momento, resta saber quem apoiará Trump e quem acolherá os imigrantes.

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