Foto: Divulgação/Site oficial do Pérolas Negras
Fundado no Haiti por uma ONG brasileira, clube em Resende alia o futebol a um projeto social que acolhe refugiados e transforma realidades dentro e fora dos gramados
No interior do Rio de Janeiro, um time de futebol tem transformado a vida de jovens refugiados em situação de vulnerabilidade. O Pérolas Negras, com sede em Resende, foi fundado em 2009 no Haiti por uma ONG brasileira e passou a ser filiado à Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FERJ) em 2017.
Desde então, a equipe cresceu e passou a ter um elenco profissional atuando no futebol carioca, sem deixar de lado a presença de refugiados no time. Com três títulos conquistados, o Pérolas Negras chegou a disputar a Série D do Campeonato Brasileiro e, em 2025, está disputando pela primeira vez a Série A2 Carioca, que dá uma vaga na elite do estado.
Em meio ao sucesso esportivo, a equipe segue acolhendo jovens de diferentes nacionalidades, oferecendo estrutura, formação esportiva e acompanhamento educacional e psicológico. Muitos dos atletas chegam ao clube em busca de uma nova chance, fugindo de conflitos, pobreza ou perseguições em seus países de origem. No Pérolas Negras, eles encontram um lar, uma rede de apoio e uma oportunidade de reconstruir a vida.
Pérolas Negras se destaca no futebol carioca

O Pérolas Negras surgiu no Haiti em 2009. Na época, o projeto tinha como objetivo funcionar como uma missão de paz e servir de refúgio para jovens em meio aos conflitos no país. A iniciativa foi criada pela ONG Viva Rio, sediada no Rio de Janeiro.
Antes de se filiar à FERJ, o Pérolas Negras já havia disputado torneios amadores no Brasil e na Europa. Quando chegou ao Rio de Janeiro, conquistou logo no primeiro ano o acesso ao ser campeão da Série C, equivalente à última divisão do futebol carioca, em 2017.
Desde então, a ascensão tem sido meteórica. Em 2020, a equipe voltou a conquistar um título estadual, alcançando a terceira divisão. No ano seguinte, surpreendeu ao levantar a taça da Copa Rio, garantindo vaga na Série D do Campeonato Brasileiro em 2022.
Mesmo com uma campanha modesta no torneio nacional, a participação do Pérolas Negras já era considerada histórica. No Rio de Janeiro, após bater algumas vezes na trave, o clube conquistou finalmente o acesso à Série A2 em 2025, ao ficar com o vice-campeonato da Série B1. Agora, está a um passo da elite do futebol estadual.
O destaque do Pérolas Negras é ainda maior no futebol feminino. Na categoria, a equipe se consolidou como a quinta força do estado, atrás apenas dos quatro grandes, e disputa atualmente a Série A3 do Campeonato Brasileiro.
Atualmente sediado em Resende, o clube segue em busca de maiores conquistas no cenário esportivo. Contudo, o projeto segue fiel ao seu propósito original: oferecer apoio a refugiados. Para isso, mantém uma estrutura dedicada a atletas estrangeiros em busca de acolhimento no Brasil.
Atletas refugiados buscam espaço no Brasil

Atualmente, o futebol brasileiro vive um ‘boom’ de estrangeiros. As contratações de estrangeiros pelos clubes da Série A aumentaram 150%, comparando com 2019. Hoje, atletas oriundos de outros países já representam 20% do total de jogadores dos 20 times da Série A do Brasileirão. Em sua maioria, são jogadores de renome internacional, com passagens por times europeus e salários milionários. No entanto, não representam a vida de outros estrangeiros aqui no Brasil, que veem o papel do futebol como fundamental.
— O papel do futebol na minha nova adaptação foi fundamental. Ser jogador de futebol me dá uma boa visibilidade, no caso, estou em um país apaixonado por futebol, que é o Brasil. Eu me adaptei bem. Por onde vou aqui, o pessoal, sabendo que sou estrangeiro e jogador, me acolhe bem — disse Badio, zagueiro e capitão do Pérolas Negras, em contato com nossa equipe de reportagem.
Chegado em 2016, Badio foi um dos primeiros atletas haitianos a desembarcar no Brasil vindo do braço da Academia Pérolas Negras criado no país caribenho. Em entrevista ao GE, o jogador contou um episódio marcante de superação em sua vida. Em 2023, Badio abandonou a carreira para cuidar do filho Gael, que nasceu com um coágulo no cérebro. Foi morar em Itápolis–SP e começou a trabalhar como auxiliar mecânico de uma oficina e de uma usina de cana, já que teve de buscar uma nova forma de sustento. Mesmo com todo o esforço do pai, Gael acabou não resistindo e morreu no início do ano passado.
— Trago as fotos, umas roupinhas dele estão aqui comigo. Sempre jogo por ele. Ele me ensinou bastante enquanto esteve aqui, que a vida não é só brincar, a gente tem que levar a vida com seriedade — disse, em trecho retirado do GE.
Meses depois, jogando por Gael e sua família, foi Badio que fez o gol da vitória que garantiu a vaga do Pérolas Negras para a Série A2 do Carioca. No último sábado, 17, o jogador fez sua estreia na competição, no empate de 0 a 0 entre Araruama e Pérolas Negras, em busca de um dos seus sonhos, atuar na elite do futebol e jogar no Maracanã.
Além de todas as barreiras enfrentadas por Badio e os demais jogadores, a busca por espaço se torna mais elevada diante dos aspectos individuais dos atletas. Porém, o que poderia ser um problema para as instituições, o Pérolas consegue extrair e compartilhar ideais. O técnico da equipe, João Medina contou que a maior dificuldade foi a língua, mas os atletas se adaptaram muito rápido. Medina complementou que mesmo com as diferentes culturas e desafios, o trabalho é muito enriquecedor.
— Por outro lado, a cultura diferente é o mais legal. As pequenas coisas do dia a dia, que são tão diferentes, enriquecem muito qualquer experiência — disse João Medina, técnico do Pérolas Negras, em entrevista à nossa equipe.
Equipe conta com projeto social e educativo para atletas

Na Academia de Futebol Pérolas Negras, a educação é parte fundamental de um projeto que busca transformar realidades por meio da formação integral de jovens refugiados e moradores de favelas e periferias.
A jornada educacional começa no ensino fundamental e segue até o superior, em parceria com instituições públicas por meio de convênios com as Secretarias de Educação. Em Resende, no Centro de Estudos da Academia, os atletas são avaliados de acordo com seu nível de escolaridade para poderem ser inseridos no sistema de ensino formal brasileiro.
Atual treinador da equipe profissional do Pérolas Negras, João Medina está no clube desde 2016 e também já trabalhou com as categorias de base. Em entrevista, ele destacou o papel do projeto em mudar a vida dos atletas dentro e fora do campo.
— A cada semestre e ano que passam, a gente pode afirmar que mudou a vida de um menino ou de uma família. Não é só oportunizar, mas também acompanhar e dar as ferramentas para brigar por sua vida, muitas vezes onde tudo lhe foi tirado desde muito cedo — contou.
Entre as atividades escolares, o currículo inclui disciplinas como português, inglês, cultura, cidadania, direitos humanos, história e geografia, alinhado à base curricular do MEC. O objetivo é ir além do ensino tradicional, ampliando as possibilidades de futuro para cada jovem.
O acompanhamento dos atletas é feito de diversas maneiras, inclusive em relação à parte psicológica. Dessa forma, os jovens recebem um suporte completo na adaptação ao Brasil.
— Nós temos uma equipe para acompanhar os meninos. Temos um trabalho muito bom com a psicóloga, com acompanhamento semanal, presencial e on-line. Além de ter uma pedagoga responsável pela adaptação à educação, língua e cultura — concluiu o comandante.
Enquanto isso, no campo, os alunos e atletas iniciam na escolinha de futebol com foco dividido em sua formação como cidadão. Por isso, para aqueles que não seguirem a carreira profissional no esporte, o projeto prepara outros caminhos por meio de oficinas, workshops e cursos extracurriculares que abrem portas para outras funções.
Próximos passos e expectativa para o futuro
Desde o dia 17 de maio, o Pérolas Negras disputa a Série A2 de 2025 em busca do sonho de alcançar a elite do futebol carioca. Apesar da concorrência de equipes tradicionais, como Bangu, América-RJ e Resende, o clube aposta justamente no talento de atletas refugiados para lutar pelo acesso.
Ao mesmo tempo, o clube mantém as portas abertas para seguir recebendo jogadores vindos de outros países em busca de melhores condições de vida. É dessa forma que o projeto atua e vem colhendo resultados ao promover a inclusão desses jovens na sociedade, tanto dentro quanto fora de campo.
Por Daniel Fernandes e José Victor Meirinho (Alunos da Escola de Comunicação da UFRJ, sob supervisão de Fernanda Paraguassu)
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