Papo sério

Projeto ViVa’A – Canoa do Bem conecta migrantes no Rio

por | 1 jun, 2025 | cultura e esporte, papo sério

@coletivovivaa

Por volta das 7h30 da manhã, um grupo de pessoas de diferentes nacionalidades se reúne na praia de Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, para praticar canoagem durante 1 hora pela Baía de Guanabara. O encontro é gratuito e faz parte do Projeto ViVa’A – Canoa do Bem, que nasceu da parceria do venezuelano Hector de Sousa com José Menezes, do clube Mahalo Pono, em Botafogo. O objetivo é promover a integração, o acolhimento e o bem-estar de refugiados, migrantes e grupos em situação de vulnerabilidade por meio do esporte.

“Eu participava de uma ONG, onde fazia voluntariado com refugiados, principalmente venezuelanos, e tinha a remada como um hobby. Aí pensei: ‘Vou tentar unir as duas coisas e fazer uma remada para refugiados’”, conta Hector, desenvolvedor do projeto e remador há dois anos.

A primeira aula gratuita aconteceu em 2024 e, em janeiro deste ano, virou um projeto fixo dentro da área social do clube Mahalo Pono, responsável por oferecer aulas de canoagem. Desde então, já passaram migrantes do Irã, Síria, Colômbia, Rússia, Argentina e Venezuela. O projeto, que ainda está em fase inicial, reúne cerca de 30 alunos em três aulas por semana, mas enfrenta desafios para manter as atividades regularmente.

“Tem dias em que a gente não consegue sair porque chove, ou não tem gente suficiente. Mas quando faz sol, como hoje, a galera aparece”, diz ele.

Frank Moya, Hector de Sousa e Mare Mendoza são refugiados da Venezuela e fazem parte do projeto (foto: Arquivo Pessoal)

A venezuelana Mare Mendoza, de 36 anos, conheceu a iniciativa através da ONG Venezuela Global, que busca promover oportunidades de integração entre os venezuelanos e brasileiros na sociedade. Até o momento, ela é a única líder do leme, responsável por guiar a canoa. Para Mare, o impacto vai além da prática esportiva: “O espírito da canoa havaiana é trabalhar todos juntos, sem distinção de idade, social e gênero. É muito lindo, porque se faz no coletivo, como uma família”, relata.

Mesmo com a barreira da língua, a troca entre os participantes não é um problema. “A gente tem um sírio, o Saman, que fala muito menos português do que eu. Mas temos uma conexão muito grande”, conta Mare.

Esporte, saúde e pertencimento

Para Catalina Revolo Pardo, psicóloga e professora doutora visitante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em pesquisas psicossociais relacionadas a assuntos migratórios, ações como essa são realmente muito importantes para a população imigrante. “São caminhos para o encontro, a construção. Esses espaços permitem o encontro entre as pessoas que estão enfrentando uma mesma situação, possibilitando que se conheçam e sejam conhecidos por diferentes agentes da sociedade civil. É uma forma de apoiá-los e inseri-los dentro dos direitos e das políticas públicas para as pessoas refugiadas no Brasil”, assegura.

A experiência migratória e do refúgio gera uma ruptura espacial e consequentes processos psicológicos particulares. “Tem uma ferida e um luto com o qual a pessoa tem que lidar. Por isso a psicologia das migrações, desde uma perspectiva psicossocial e clínica, cuida desse processo que abala, mas também fortalece o ser humano. As pessoas que estão em imigração são diferentes”, pontua Pardo.

É o caso de Frank Moya, 21 anos, jardineiro, participante do Coletivo, que saiu aos 17 anos da Venezuela em virtude da situação política, social e econômica do país. Veio com os pais e três irmãos em busca de melhores condições de vida. Diz que, apesar das dificuldades, especialmente o idioma, aprendeu a se reinventar. “Hoje, sei outro idioma, conheço outra cultura, aprendi uma profissão. Sou muito grato por isso”, assegura.

Para ele o projeto é uma válvula de escape e um espaço de acolhimento indispensáveis para acalmar a mente das preocupações cotidianas com seu país de origem. “Eu saio às 6h da manhã de casa, pego dois transportes públicos, para conseguir participar do remo. O mar me acalma, me ajuda a manter o foco. É bom para o físico e para a mente. Me sinto acolhido”, conta Frank.

A professora Catalina reforça a necessidade do acolhimento quando tratamos da questão dos imigrantes e refugiados. “Prefiro não pensar na palavra integração, prefiro pensar na palavra acolhimento. O processo de acolhimento é mais profundo, pois respeita as origens, a história, a cultura, as particularidades, a trajetória do indivíduo. É a construção de uma cidadania intercultural desses imigrantes”, exalta.

Financiamento e Conscientização

O projeto não tem fins lucrativos e depende do apoio de patrocinadores. Do total, três já ofereceram suporte, mas a equipe ainda sonha com mais recursos. A ideia é oferecer um suporte financeiro para que mais pessoas possam participar e até competir. 

“Têm pessoas que demonstram potencial para entrar em uma competição e o nosso objetivo é poder ajudar. É poder oferecer uma ajuda com o custo do transporte, café da manhã ou para comprar equipamento”, afirma Hector.

Além de promover a saúde física e emocional, as aulas também viraram um espaço de conscientização. A iniciativa, por exemplo, já promoveu eventos de limpezas regulares na praia. Em março, a organização preparou um evento para recolher o lixo dentro e fora da água, recolhendo mais de 12 sacolas de lixo no espaço. “É uma forma de cuidar da saúde mental, física e da natureza. A gente já fez várias ações de limpeza na praia. É a sustentabilidade conectada com integração”, completa o idealizador.

O projeto também tem provocado mudanças pessoais entre os participantes. Hector conta que já se emocionou ao se ver no meio da Baía de Guanabara, ao lado de pessoas de diferentes países, compartilhando o silêncio no meio do mar. “Você começa o dia ouvindo pássaros, no meio do mar. Isso é muito saudável. Você socializa, se conecta. A canoagem promove bem-estar e integração de uma forma muito eficiente”, finaliza.

Junte-se ao ViVa’A:

Instagram: @coletivovivaa
Contato: Hector de Sousa (11) 98106 1706


Por Luana Neves e Félix Fonseca (Alunos da Escola de Comunicação da UFRJ)

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