Foto: @yecamorais
Quando cruzou a fronteira do Brasil em 2019, fugindo da repressão do regime de Nicolás Maduro, a venezuelana Yesica Morais não imaginava que se tornaria uma referência digital para milhares de outros imigrantes. Com o celular em mãos, ela passou a usar as redes sociais para orientar quem, como ela, buscava recomeçar a vida em outro país.
Hoje, com mais de 40 mil seguidores, Yesica representa uma tendência crescente: refugiados e imigrantes que utilizam plataformas como Instagram, TikTok e YouTube para criar redes de apoio, compartilhar informações e facilitar sua integração à sociedade brasileira.
Esse movimento tem ganhado destaque especialmente entre os mais jovens, que representam quase metade dos pedidos de refúgio no Brasil, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). “Tem vezes que as pessoas começam porque querem, outras porque têm a possibilidade, e outras por necessidade. Eu comecei a fazer vídeos informativos sobre a situação política da minha cidade. Quando tive que fugir para o Brasil, continuei informando — só que agora, para ajudar outros imigrantes”, conta Yesica.
Dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) revelam que, em 2023, quase 50% dos pedidos de refúgio no Brasil foram feitos por crianças e adolescentes. A presença expressiva de jovens entre os solicitantes evidencia não apenas a vulnerabilidade desse grupo, mas também os desafios que enfrentam: barreiras linguísticas, adaptação cultural, interrupção dos estudos e traumas provocados por contextos de violência ou deslocamento forçado.
Gerado por IA com base no relatório da plataforma Educação e Território
Segundo o relatório da plataforma Educação e Território, mais de 60 mil pedidos de refúgio foram registrados no Brasil em 2023. Quase metade foi feita por menores de 18 anos — em sua maioria, venezuelanos. Haitianos, congoleses e sírios também compõem esse contingente. A realidade escancara a necessidade urgente de políticas públicas que ofereçam não só abrigo físico, mas também suporte emocional, educacional e social para os jovens refugiados.
Nesse vácuo institucional, as redes sociais têm assumido um papel essencial. Tornaram-se espaços de acolhimento, conexão e orientação, especialmente para quem está em processo de adaptação. “As pessoas começaram a me escrever para perguntar pelos familiares. ‘Se você ver ele por aí, avisa que estou procurando.’ Eu encontrava as pessoas e avisava. Era uma ponte humana no meio do caos”, diz Yesica, que permaneceu mais de um ano na fronteira ajudando outros imigrantes.
Mais do que entretenimento, as redes se consolidaram como ferramentas para reconstrução da identidade, resistência e produção de conhecimento. Segundo especialistas, a presença digital de imigrantes e refugiados representa um processo ativo de pertencimento e integração.
“Uma mãe, na Argentina, me disse: ‘Não cheguei aí ainda, mas, por favor, fica com meus filhos até eu chegar.’ Eu pensei: imagina o nível de confiança que uma mãe precisa ter para deixar os filhos com uma desconhecida”, relata Yesica.
O fenômeno é descrito pelo pesquisador Octávio Cezarini Ávila, da UFRJ, por meio do conceito de webdiáspora, o uso do ambiente digital por comunidades migrantes para manter vínculos com seus países de origem, compartilhar vivências e construir novas formas de integração nos países de destino.
“Na pandemia, encontrei uma mulher que dormia na rua com os filhos, sem dinheiro. Um tempo depois, ela me reconheceu na Pastoral dos Migrantes e disse: ‘Você mudou a minha vida, estou indo para São Paulo com minha família graças à sua orientação’”, lembra a influenciadora.
Os conteúdos compartilhados por influenciadores como Yesica abordam desde orientações para obtenção de documentos, acesso ao SUS e matrícula em escolas, até traduções de informações oficiais e dicas sobre costumes brasileiros, conteúdos muitas vezes ausentes ou confusos nos canais institucionais.
Perfil do Público de @yecamorais
Redes sociais como rede de apoio para jovens refugiados
Na ausência de uma comunicação pública eficiente e acessível, essas vozes emergem como fontes confiáveis, especialmente para jovens em fase escolar e de adaptação cultural.
“Não somos minoria, somos minorizados. É uma honra representar essas pessoas. Se eu puder chegar mais alto, vou querer. Porque é importante ocupar espaços, dizer: ‘Eu estou aqui. Eu também faço o país”, afirma Yesica.
Além dela, outros nomes também têm se destacado. É o caso de MaribellaSoy, outra venezuelana, que migrou para o Brasil em 2020. Com cerca de 23 mil seguidores, ela compartilha sua trajetória migratória e publica vídeos sobre adaptação cultural, enfrentamentos cotidianos e conselhos práticos para novos imigrantes.
Esses influenciadores, em especial mulheres jovens como Yesica e Maribella, têm desempenhado um papel crucial na disseminação de informações e no apoio emocional a outros imigrantes. Com empatia e proximidade, contribuem diretamente para a integração social de quem recomeça a vida longe de casa, mas não sozinho.
Nesse cenário, o perfil Cultura Africana no Brasil, criado por Temidayo James Aransiola, Temitope Jane Aransiola e Genifá, representa uma força semelhante. Criado durante a pandemia, o perfil nasceu do desejo de continuar um trabalho iniciado em 2011, quando passaram a compartilhar suas vivências e conhecimentos sobre a África em palestras presenciais em escolas e universidades.
Com a interrupção desses encontros devido ao isolamento social, as jovens encontraram no Instagram uma plataforma ideal para alcançar um público mais amplo e diverso, especialmente concentrado em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. O conteúdo do perfil mistura temas culturais, estilo de vida e humor, sempre com um olhar autêntico e pessoal sobre o cotidiano de imigrantes africanos no Brasil.
Os integrantes do grupo Temini utilizam o espaço virtual para promover a representatividade negra, discutir questões como o racismo e desmistificar estereótipos sobre a África. Segundo Temitope Jane Aransiola, jornalista e co-criadora do perfil, a mídia tradicional ainda oferece pouco espaço para imigrantes negros, o que torna a internet uma ferramenta poderosa para transformação social e acolhimento da diversidade.
Diante da falta de políticas públicas eficazes de acolhimento e de canais institucionais acessíveis, perfis como os de Yesica, Maribella e o grupo Temini vêm ocupando um papel fundamental na mediação cultural e na construção de pertencimento. Suas vozes, ao mesmo tempo, potentes e sensíveis, ampliam horizontes, informam, acolhem e representam uma parcela significativa da população que, historicamente, teve sua narrativa silenciada. Mais do que influenciadoras, elas são protagonistas de uma nova forma de comunicação: direta, empática e transformadora, não apenas informa, mas inspira.
Escrita e produzida por Ana Beatriz Diniz e Letícia Santoro. (Alunas da Escola de Comunicação da UFRJ, sob supervisão de Fernanda Paraguassu)
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