A nova medida do presidente Donald Trump de eliminar termos associados ao que chama de “ideologia woke” dos documentos oficiais vai muito além de uma disputa semântica. A questão woke já ultrapassou o campo da guerra ideológica e verbal — tornou-se uma moeda de manipulação das políticas públicas. Ao reconfigurar o vocabulário institucional, o governo molda silenciosamente prioridades, restringe narrativas e esvazia o alcance de direitos historicamente conquistados.
A guerra contra o ‘woke’ não se limita ao campo simbólico — ela reorganiza o próprio Estado, minando as bases de políticas públicas que buscam justiça social.
O impacto sobre políticas de inclusão
Ao suprimir palavras como “diversidade”, “equidade”, “racismo”, “inclusão” e até mesmo “identidade de gênero” de relatórios, diretrizes e políticas públicas, o governo não apenas apaga simbolicamente grupos historicamente marginalizados, mas também compromete a própria estrutura de programas que visam combater desigualdades. Quando esses termos desaparecem dos documentos oficiais, iniciativas voltadas à promoção da igualdade perdem respaldo legal e orçamentário. O resultado é um desmonte sutil — e eficaz — de políticas inclusivas, travestido de “despolitização”. Em alguns casos, o governo não institui uma proibição direta aos termos, mas aconselha que agências federais tenham cautela no uso deles. Diversas agências governamentais, no entanto, já fizeram a remoção das palavras de seus sites. A listagem também servirá como sinalizador para que termos sejam buscados em contratos e propostas de subsídios de governo que deverão ser revistos. A remoção dos termos vem na esteira do encerramento de programas que encorajavam a diversidade com base no argumento de que esforços de diversidade estariam em desacordo com o que chamam de “mérito”, levando ao aumento de pessoas consideradas ‘não qualificadas’, segundo o governo Trump.
Migração e o apagamento institucional
No campo da migração, além do termo “imigrante”, a remoção sistemática de palavras como “diferenças culturais”, “minorias”, “estereótipo” e “exclusão” impacta diretamente a forma como os migrantes são tratados nas políticas públicas. Esses conceitos são pilares para o desenvolvimento de programas de acolhimento, integração e proteção social. Ao esvaziá-los do vocabulário institucional, o governo sinaliza o rebaixamento da importância dessas agendas, contribuindo para um ambiente menos acolhedor e mais hostil a pessoas em situação de migração forçada.
Crianças migrantes e o ambiente escolar hostil
Esse impacto se agrava ainda mais no caso das crianças migrantes. Quando políticas educacionais deixam de reconhecer a diversidade linguística e cultural dos estudantes, o ambiente escolar se torna excludente, alimentando sentimentos de não pertencimento. Sem diretrizes que orientem a inclusão, professores ficam desamparados, e os alunos — especialmente os que chegam de outros países ou contextos de refúgio — enfrentam maiores barreiras para aprender, se integrar e se desenvolver emocionalmente. A ausência da linguagem da inclusão não é neutra: ela desprotege justamente aqueles que estão em situação de vulnerabilidade.
A origem e a distorção do termo woke
O termo woke surgiu originalmente no contexto afro-americano, associado à ideia de estar “acordado” ou consciente das injustiças sociais e raciais. Nas décadas de 1940 e 1950, já aparecia em discursos ligados à luta por direitos civis, sendo retomado com força nos anos 2010 por movimentos como Black Lives Matter. Em português, woke pode ser traduzido livremente como “desperto” ou “consciente”, especialmente em relação a desigualdades estruturais. No entanto, o termo foi progressivamente cooptado e distorcido por setores conservadores, tornando-se uma caricatura usada para deslegitimar qualquer pauta voltada à justiça social.
A lista de palavras proibidas
Em março de 2025, o The New York Times revelou que o governo Trump restringiu o uso de quase 200 termos em agências federais, incluindo palavras como “feminismo”, “diversidade”, “LGBTQ”, “inclusão” e “saúde mental”. Essas restrições foram implementadas por meio de memorandos e orientações internas, que variavam de sugestões de cautela no uso dos termos a ordens explícitas de remoção de conteúdos de sites e materiais oficiais. A lista completa foi publicada pelo jornal e pode ser acessada neste link.
Mais do que um capricho retórico ou uma ofensiva ideológica, a exclusão de determinados termos dos documentos oficiais é uma estratégia política com efeitos concretos. Ao controlar a linguagem, o governo redefine prioridades, silencia grupos, redireciona recursos e esvazia compromissos com a equidade. A guerra contra o woke não se limita ao campo simbólico — ela reorganiza o próprio Estado, minando as bases de políticas públicas que buscam justiça social. É um jogo semântico com consequências reais, que transforma a linguagem em ferramenta de exclusão.
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