Papo sério

Refúgio infantil: comida e afeto

por | 19 set, 2023 | cultura e esporte, papo sério

Atualmente, a vasta literatura sobre o tema e a profusão de programas culinários nos lembram que, para além de seus aspectos nutricionais, a comida é carregada de significados que remetem ao prazer, reunião, espiritualidade e identidade. Olfatos e paladares nos fazem viajar pelo tempo, revisitar lugares e pessoas, reviver sensações e sentimentos… Não importa quão rápida ou lenta nos parece esta viagem, fato é que ela costuma ser sempre intensa.

Para as pessoas em condições de refúgio, as subjetividades presentes na comida e no ato de comer possuem uma relevância ainda maior. No novo lugar, participa do sentido de si e permeia, na cotidianidade, a construção das novas (e híbridas) identidades e dos novos sentidos de ser. Não é possível dissociar comida de afeto. No estado de suspensão social e identitária, própria da situação de refúgio, a comida atua, assim como outros signos, como uma âncora identitária, lembrando a essas pessoas quem elas são e de onde elas vêm. Em sua plena capacidade de ativar os cinco sentidos, o ato de cozinhar comidas típicas e conhecidas, acalentam, abraçam e despertam, nessas pessoas, memórias e lembranças de vidas e afetos não mais possíveis.

A situação é especialmente sensível quando se trata das crianças. O refúgio joga para o alto e fragmenta toda a normalidade que lhes dá conforto e segurança: casa, amigos, escola, brinquedos e brincadeiras. Num misto de sentimentos e intenções, falar a língua, ouvir as músicas, comer as comidas e contar (e recontar) histórias são formas de fazer as crianças se sentirem mais confortáveis e seguras.

Muitas vezes, a comida chega junto com o carinho e o beijo, para lidar com a tristeza e a saudade. Quando fazia trabalho de campo para o doutorado, me deparei com algumas histórias. Numa ocasião, durante uma conversa, uma mãe refugiada me contou que num almoço de domingo, seu filho de 6 anos comeu um kibe e imediatamente perguntou pelo avô, que queria muito que ele estivesse ali, almoçando com eles. Num outro dia, outra mãe me contou que a filha, já uma adolescente, estava no quarto, tristonha. Quando perguntou o porquê da tristeza a menina respondeu que estava com saudade de casa, da escola e dos amigos. Para tentar animar a filha, essa mãe preparou uma sopa que ela sempre fazia para a família, antes do refúgio. Juntas, lembraram de momentos passados e felizes e conversaram sobre o futuro.


Conceição de Souza é pesquisa do Diaspotics, CAC-UERJ (Comunicação, Arte e Cidade) e LACON-UERJ (Laboratório de Comunicação, Cidade e Consumo).

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