O governo brasileiro anunciou no dia 26/9 uma mudança na política de acolhida humanitária para afegãos que fogem do regime fundamentalista do Talibã. A intenção da medida é evitar que o Brasil se consolide como porta de entrada para imigrantes que buscam passar para os Estados Unidos em rotas perigosas. De acordo com a portaria, segundo a Folha de S.Paulo, a partir de outubro, os vistos só serão concedidos aos afegãos caso seja comprovada a disponibilidade de vagas em abrigos para recebê-los, o que se daria por meio de acordos de cooperação firmados entre organizações da sociedade civil e o Estado.
A medida ocorre poucos meses após um surto de sarna entre imigrantes afegãos instalados no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. Em junho, sem vaga nos abrigos para imigrantes, eram mais de 140 pessoas afegãs vivendo no aeroporto, sendo muitas delas crianças. Dados do Observatório das Migrações Internacionais mostram que, desde outubro de 2021 até maio passado, 3.776 afegãos obtiveram autorização de residência no Brasil ou pediram refúgio no país. O perfil migratório predominante é o familiar, com uma maioria de homens. Crianças de até 6 anos eram 17% desses imigrantes.
O jornal O Globo publicou matéria em 20 de setembro revelando que famílias afegãs que estavam em acolhimento temporário em Praia Grande, no litoral paulista, depois de acamparem no aeroporto de Guarulhos, foram transferidas para outros alojamentos da região metropolitana de São Paulo. Havia relatos de crianças com fome, calor e ameaça sanitária, além de falta de instalações educacionais para menores em idade escolar.
De acordo com o secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, a mudança busca aprimorar o acolhimento aos afegãos, que ainda não têm uma base sólida no Brasil —como é o caso de venezuelanos e angolanos— e enfrentam ainda uma barreira linguística. Ao vincular as emissões de vistos à disponibilidade de vagas, estariam promovendo o acolhimento planejado e seguro, evitando que o Brasil seja porta de entrada aos que têm como objetivo subir as Américas em direção aos Estados Unidos, cruzando o estreito de Darién, a chamada “selva da morte”, entre o Panamá e a Colômbia. São 5.000 km2 de floresta tropical. Não há rodovias e os migrantes enfrentam rios caudalosos, animais selvagens e quadrilhas de criminosos.
Dados do Unicef revelam que cerca de 60 mil crianças passaram pela rota perigosa nos primeiros oito meses deste ano, número considerado recorde. No ano passado, cerca de 40 mil menores fizeram a travessia, depois de pelo menos 29 mil terem feito o trajeto em 2021. Metade tinha menos de cinco anos de idade. “As crianças chegam em condições muito precárias e precisam de atenção médica por problemas de desidratação, infecções na pele, traumas pelo que viram, como assédio sexual, extorsão ou gente que morreu no caminho”, afirma Laurent Duvillier, chefe regional de comunicação do Unicef.
O coordenador de migrações e refúgio da Defensoria Pública da União (DPU) em São Paulo, João Chaves, afirma que os argumentos que servem de justificativa oficial para a mudança nas regras brasileiras são válidos. No entanto, as possíveis consequências são preocupantes, já que “é preciso cautela para que essa não se torne uma forma de resolver os problemas estabelecendo uma espécie de funil”. “O fato de o Brasil ser um país de migrantes em trânsito não pode diminuir a emissão de vistos e a execução da política humanitária.” Organizações não governamentais se posicionaram em carta pública, expressando preocupação, entre outras questões, com impactos sobre a reunificação familiar.
Foto de destaque: Reuters
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