A história do Abraço Cultural começa com uma partida de futebol, em julho de 2014. Após a 1ª. Copa do Mundo dos Refugiados, uma competição amadora de futebol que reuniu refugiados e migrantes em São Paulo, os fundadores da organização não governamental decidiram criar um projeto mais duradouro e contribuir com a integração desses imigrantes na sociedade brasileira. Assim, a ONG nasceu com o objetivo de promover a troca de experiências, a geração de renda e a valorização dos refugiados, por meio da formação e atuação de professores de idiomas.
O Abraço Cultural oferece atualmente cursos de árabe, espanhol, francês e inglês para adultos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Também há aulas virtuais. A equipe de professores é composta por pessoas que vêm de diversos países, como Benin, Camarões, Colômbia, Cuba, Egito, Etiópia, Haiti, Honduras, Líbano, Marrocos, Nigéria, Palestina, Quênia, República Democrática do Congo, Síria, Togo, Uganda e Venezuela.
Para alcançar o público adolescente, a escola de idiomas desenvolve o projeto Abraço na Escola. Uma equipe de professores visita instituições públicas e privadas, do Ensino Fundamental II e Médio, organiza oficinas com impacto social, cultural e educativo, tanto para os alunos como para os próprios professores. Em 2022, o projeto alcançou mais de 1900 estudantes, que participaram de rodas de conversa sobre a temática do refúgio e da migração e de oficinas de dança, de culinária e de outras experiências culturais provenientes dos países dos professores.
O venezuelano Ender Molina, que chegou ao Brasil em 2015 por conta da crise econômica, social e política em seu país, é um dos professores que participa do projeto de sensibilização ao refúgio e à migração no contexto do Abraço na Escola no Rio de Janeiro. Ender avalia que a iniciativa é muito importante porque o tema do refúgio é sensível e “precisa ser conversado com sutileza”. Segundo o professor, há muitas informações ainda desconhecidas da população em geral. Se o tema for abordado com base no “achismo”, poderá trazer mais prejuízos que benefícios. “Preconceitos e estereótipos são criados baseados no desconhecimento, na ignorância e na generalização. Eles acabam sendo usados de maneira direta ou indireta para vulnerabilizar a insistência e o convívio das pessoas na sociedade”, diz.
Ender ressalta que imigrantes, em geral, podem se tornar alvo de preconceito por conta dos estereótipos fixados na população por meio de diversas fontes ou da difusão intencional de fake news. E lembra que o acesso a direitos básicos para pessoas imigrantes é mais complexo, deixando as pessoas em situação ainda mais vulnerável, inviabilizando a possibilidade de reconstrução de uma vida minimamente digna.
Nesse contexto, o professor explica que a iniciativa do Abraço na Escola nasce “como uma flor no meio do deserto”, ao aproveitar o enfoque educacional do Abraço Cultural, para levar às escolas o tema do refúgio por meio de um método abrangente, inclusivo e diverso, em que todos possam aprender, colocando o protagonismo nas interações que acontecem em sala de aula entre os alunos e o facilitador/a. “De uma forma participativa, os adolescentes se conectam com o tópico e com o facilitador/a, o que faz acordar o interesse pelo tema, numa população difícil de ser atingida, com um assunto tão específico e pouco falado como este”, afirma Ender.
“Os facilitadores/as ganham destaque por trazerem à sala de aula uma bagagem cultural e a sua própria experiência, já que o foco não é a história do facilitador, e sim o respaldo que proporciona o contato direto com a realidade do refúgio e da imigração às informações que serão conversadas na oficina. O lugar de fala se torna efetivo e possibilita uma troca educativa de qualidade”, continua o professor.
Ender classifica o sentimento de ser um facilitador em três etapas: antes, durante e depois das oficinas. Durante a preparação das atividades, há ansiedade, ânimo e empolgação. Como as oficinas são em português, o venezuelano faz pesquisas, e se prepara para ser compreendido. Durante a aula, costuma observar os alunos para se conectar com eles. Depois das atividades como facilitador, quando experimenta a conexão com os adolescentes, Ender diz ter uma sensação de paz, “de estar fazendo algo bom”.
“Cada comentário de despedida, cada pergunta vinda deles com uma delicadeza única, com inocência, sem tendencionismo, preenche muito o coração de bons sentimentos, amor, confiança, empatia. No final eu me sinto muito satisfeito de ter feito o encontro, me sinto responsável por ter aberto uma porta para alguém num mundo tão fechado como o nosso”, afirma. Em suma, o projeto Abraço na Escola é considerado muito simbólico ao contribuir com a “formação de novos cidadãos de pensamento crítico, que crescerão com uma ideia mais clara sobre a situação de refúgio, que está próximo de todos, que promove inclusão e dá visibilidade a um tema que fez, faz e fará parte da história do mundo até o final dos dias”.
Ender Molina é professor do Abraço Cultural e participa do Abraço na Escola em atividades com adolescentes. Brasileiro de coração, é refugiado da Venezuela.
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